sábado, 8 de agosto de 2009

Comunhão -09



Minha filha está doente/
Fantasmas vagueiam entre as paredes/
Indiferentes ao meu desespero.
De repente,descubro minha dupla solidão/
Somo seus gritos aos meus ossos decepados/
Arranco do peito o açúcar do mundo inteiro/
Choro/canto/invento brincadeiras/enquanto
Seguro entre o estômago seu rosto perfurado.
Ah,deus,a dor do parto é fantasia.
Ah esse soro pingando lentamente/em cada gota
Vou morrendo/ah,meu pedaço de carne feito gente/
Dor cotidiana:não tenho opções e vou retirando
Meus pedaços num enxerto desesperado/até que ela
Acorda e me beija/me cama/começa a brincar com
Meus órgãos destroçados.



Antonieta coelho
Recife,10-10-1983
Estação do sonho



O espaço se amplifica
Carregado de perdão:
É tempo de recolher
Restos de esperança.

Somos primavera
Silenciosa
A fluir
Perdidos verões.

Retornando,
Choro a escuridão,qual
Inconsistente árvore
Arrebatada ao peito
Feito terra.


Teias invisíveis
Explodem,
E, em tua face
Pássaros e folhas
Flutuam
Á procura do ventre morto.



Antonieta coelho
Recife,1980
Viagem



Eu vi uma montanha
Beijando um pedaço de sol
E de tão rápido, pensei:
Era mesmo a montanha
Ou pedaço do meu peito?

Eu vi também uma moça
Ligeira
E bem leve (como uma nuvem).

Vi depois meu chão se abrindo
- e chorei nos braços que me cobriram.

Não foi sonho
Eram braços de gente
E tinham uma força infinita:
Eu estava em casa.



Antonieta coelho
Recife,1981
Amoraço



Que permaneças assim
Entre o mistério
E o cansaço,
Pois essa é a hora despida
Das estações.


Que o barulho da água
Não venha perturbar o repouso da fala:
Esmaecida canção
Entre arcadas dentárias:
Desamparados beijos !

Enquanto caminho atarefada
Á procura dos esqueletos e orquídeas,
Espera-me em silêncio:
Andaste muitas folhas
Até a plenitude do meu fruto.

Após a luta,recomponho os minutos do rosto
Tropeçando entre perfumes ,vírgulas e rímel
-e o coração fica esquecido por sobre rios e travesseiros.

Não quero ficar triste
Pois tenho lírios e peixes
Ramificados
Nas colunas do meu corpo.

Ao soltar meus rápidos cabelos á chuva
(lembro-me):
O fluxo do teu nervo
Semeou em descortinados lábios
O mais doce líquido
Já levado á terra.



Antonieta coelho
Recife,1981
Fotocópia




Olhei o chão
E nuvens
E vi:
Homens caminhando
Animais encarcerados
Identificados
Na mesma fome.

Olhei a terra
E vi
O mar eterno
De branco.

Olhei nos olhos
Falou
Teu espelho
E vi,
Meu rosto de sal
Refletido em nuvens
No chão.



Antonieta coelho
Recife,1973
Pesadelo



Sob o olhar amedrontado
De nuvens,caminhei
Sobre um chão promíscuo.
E crianças olharam e pediram.
Sob ficção
(vivi uma longa morte de sonhos)
Essa morte,
Um dia,]vivida sob meus pés,
(e nunca descobri o porquê dos pedidos).

Sob um véu vencido,
Acorrentada,
Exilei-me
(e nunca encontrei).

Sob a perdição
De um oceano vazio,
Acorrentei-me
Em brumas esparsas
(e foi minha,a busca).


Sob a libido espacial
Em frêmitos etéreos
Deixei ao mundo o silêncio.

E meu corpo se fez palco
E escutei mórbidas gargalhadas
Em honra ou homenagem póstuma
Ás nuvens desaparecidas
Á poesia morta.



Antonieta coelho
Recife,1973
COMUNHÃO N-08



Minha filha cresce
Enquanto abismada,lhe ofereço o mundo.

Não quer mais o peito nem chupeta.

Quer seu mundo de bonecas,
Buraquinhos,pedaços de papel,
A escada e seus mistérios.

Canto e canto
E meu chão explode
Quando ela acorda no frio da madrugada
Sorrindo e querendo falar
Distante do tempo
Perdida no seu mundo de brinquedo.


Antonieta coelho
Recife,1983
Comunhão -07




Minha filha quer falar.
Existe o momento mágico
Nesses lábios roçando a fala,
Quando, distraída ,escuto a palavra maior.

Um circuito queima
minha carne
E choro e fico surda muda
Arrancando das entranhas
O mais profundo soluço
E do peito
Os mais desesperados versos,
Porque
Sou MÃE.



ANTONIÊTA COELHO
RECIFE,1983
Comunhão -06



Converso com minha filha
em linguagem anímica
enquanto carrros buzinam
terríveis.
Minha filha
Atenta atenta
responde em silêncio
o que ficou perdido em minha fantasia.

Descubro a beleza se recompondo
Nessa pele de alvura infinita:
Meus pedaços reeditados.

Converso com minha filha:
Frases e frases inarticuladas.

Enanto ela sorri
Tenho a carne em blocos
Enquanto ela dorme
Anjos passeiam
Redimindo seus demônios.



Antonieta coelho
Recife 1983
Comunhão -05



Brinco com minha filha e
(cansada de sobreviver)
Nos abraçamos,
Ela não percebe (ainda)
A luta do cotidiano
Nem a falta de espaço:
Um quadrado improvisado
em espuma.

Os brinquedos são meus sonhos remendados
Em plástico e sangue:
Ela sorri gratificada.

Brinco com minha filha
No parque em frente
Onde gansos e pombos(tristonhos)
Nos espreitam.
Os olhos se alagam percebendo
Famintos camundongos e pássaros perseguidos.
Tenho a exata dimensão do amor
quando ela se lança do meu colo:
primeira tentativa
em segurar a vida.

Brinco com minha filha
Logo cedo quando seu rosto é só descanso
E me rasgo e me rebento de paixão
Por sobre o berço.



Antonieta coelho
Recife,1983
Comunhão-04




Brigo com minha filha
Porque ela não quer comer
E crianças morrem de fome
Enquanto desesperada ,jogo o leite
Pelo esgoto:
Menina come pelo amor de deus.

Brigo com minha filha
Impaciente - existe alimento
-Ela fecha a boca
Protestando (feito Ghandi?)

Choro e peço
Mas inútil
Porque de repente
Ela começa a imitar meus gestos
E me beija.

Começo a chorar o suco derramado
A maçã perdida,as laranjas podres:
O mundo com fome e minha filha sem comer.



Antonieta coelho
Recife,1983
Maternidade



É noite ainda
E os pássaros recolhem
O canto impaciente do recém-nascido.

Ao longo da moldura,
Casais de namorados
Fluem ao espaço
Beijos molhados,
Porque chove.

E os pingos da chuva,
Anunciam o sol de um novo dia,

Tenho as mãos vazias
E o peito cheio.
Mas esse silêncio,
Enlouquece meus olhos
Em estranhos corredores da inconsciência.

Sinto desejo
-de flor e campo-
E vontade de criar um verso alegre.

Mas a noite persiste
Indiferente á insônia:
Saem rosas dos meus lábios
E do meu peito,um mar
De sangue.

Ao chegar a luz,
Já não serei flor,nem campo
E terei perdido
A paz.


Antonieta coelho
Recife,1981
O presente



Tenho impresso entre os dedos
A linguagem dos pombos e a
Altivez das garças.

Nada me pertuba porque
Nada possuo fora de mim mesma
-apenas água e sangue
Onde mora meu estômago.

Não tenho medo da escuridão
Nem do sol.
Quero apenas oxigênio suficente,
Um pedaço de pão
e a firmeza da mão sobre a
caneta.

De nada mais preciso
E se nada for me dado,
Que me deixem estender
As pernas sob a terra
Sem passado.



Antonieta coelho 1979
Recado



Venho sem óculos
Tropeçando entre espuma
e memória:
desejo de sargaços
onde espalho o verso
á vontade.

*{os meus cílios
( Impressos á força pelos dedos)
Já não tem desejo
Só fumaça.}

Conheço como ninguém
Este caminho de vento
E a força do gás
entre os tijolos.

Por entre ossos,
Alvura de lençóis,
Alguns pombos:
Terra do meu
longo despertar.

Não sou grande
Mas tenho no ventre
Mistérios de mangueiras.

Através do sonho
Entrevejo animais
E conhecidos olhos brancos.

Não desisto:
Tenho aço e cristal
Povoando as trovoadas
Do meu peito.



Antonieta coelho
Recife,1981
O exílio



No meu coração
A solidão do mundo
Fez sua morada
De graça.

Essa dor da ausência
É a dor da humanidade
Incorporada
Ao teu destino.

Assmbrações vibram
Quando vagueio na casa
enorme e vazia.

Em casa esquina
o medo de ser
assassinada.

em cada hora
o silêncio daqueles
que caíram em
desgraça.

Longos os sábados
E domingos passados
Neste meu exílio
Onde só escuto
O latido dos cães também
Abandonados.



Antonieta coelho
Recife,23 de julho de\1994
COMUNHÃO -10
(PARA MARIA ADÉLIA EM SEU PRIMEIRO DIA DE AULA)



De repente e somente agora
O cordão umbilical
Começa a se romper.
Junto ao sol vai a terra
Sorvendo o líquido aminiótico.
É outra vida
Outros ossos,misturados ao suco do limão
Potinho de frutas,livro de história,
Caminhando enfeitados:
lacinho de fita azul
Olhinhos ansiosos
Terrível separação .
Não houve despedida,a dor será cotidiana,
E, o teu desejo em segurar a vida vai além dos muros.
E te vejo grande,tão grande dentro do novo mundo,-
Meus braços já não te sustentam.
E meu coração chora impotente
Porque já trocaste as fraldas
Pelos livros
E meus seios por novas brincadeiras.


ANTONIÊTA COELHO
RECIFE,04 DE FEVEREIRO DE 1985
Preto e branco



Sou a companheira silenciosa
A repartir o dia á espera da noite
Recolhida em surpresa.

Sinto tua mão
Vaga mão a me deter:
Quisera converter em sangue,o esquecimento.

Não quero espaço pois escuto um quase gemido
(em meus braços longos e desiguais)
Ao derredor de luas grávidas.

Em meu sapato
cansada da procura
a fala morre
e já não tenho paz.

Mas de repente
Reencontro navios e muitas flores adocicadas:
Perco-me ao cruzar o portão que nos divide.
Escuto passos e á felicidade subindo escadas
Em preto e branco -feliz,procuro vestidos de bico de seda,-
E nada acontece.
Onde a promessa e as mãos da luta?

A imobilidade de tua face
Rebenta por cima da fala
E as têmporas estão repletas de formigas:
Louco,
esse meu desejo,
de beijar teus olhos,
E assassinar teu peito.

Exijo silêncio.
Um par de seios brancos ,e muitos beijos,
Porque estou triste.
Mas eis que tenho lucidez de coisas vivas,
Unhas cor- de- rosa ,lábios entreabertos
E orgasmos oceânicos.
E os escombros em frente são metáforas.

Ah eu quero valsas,recortes de jornal,
-eu quero uma flor.
E a dor é chuva,cantiga e mil telefonemas loucos.

Louco ,
esse meu desejo,
em colorir o preto
branco do teu medo,e, mansamente
desenhar um punhal de laranjas no teu peito.



Antonieta coelho
Recife,1981
Noite de natal



Foi preciso a multidão romper no pranto
Após o trucidamento.
Foi preciso a dor
Concebida no silêncio.
Foi preciso o animal,o verde,a estrela
E mais que o infinito:

O chão da manjedoura.

Poderias ter vindo
Como rei
Preferiste o ar de um mendigo:
Sem telhado
nem sonho.

Chegaste com a luz
E como raio
Tocaste as solidões.
Ao entardecer
Apenas o sangue impresso,
Atravessa desesperado: a ausência do homem.

Porque dormiste entre jumentos,
Ninguém sabe.
Apenas o traço firme
(do rosto contorcido)
Ficou no linho como resposta.

Mas is que renasces
Sempre e sempre
Desafiando mistérios e limitações:
És criança !
Bem –vindo !
E, desta vez,eu quero infinitas portas abertas,
O meu chão iluminado,um verso alegre e mil canções !
-e de repente,descubro que nada tenho , apenas um peito remendado e cheio de esperança:
Lambra-te de mim !



Antonieta coelho Natal de 1982
O ÁLBUM



Não esqueça a estória
Um dia feito prosa,alcochoada em espuma:
Oferenda e louvor.

(juntos percorremos a eternidade).

Não esqueça de guardar
os sorrisos feitos
(nossos olhos manchados)
Um dia posamos,
E a ternura foi captada no ar.

Não esqueça o medo,malassombradas casas,
recordações do após meia –noite:

Juntos também sonhamos.

Não esqueça os jardins
(hoje desfeitos e cansados)
Á espera
De novos desencontros.



Antonieta coelho
Recife,1980
COMUNHÃO -3
(PARA MINHA FILHA)



Minha filha dorme
Longe de mim mesma
Quando chove e o vento abre espaço
Entre o berço e
meu colchão.

Escurece e por entre a madeira ,dois olhos
pedintes:
Rasgo o ventre
e de novo te concebo.

Minha filha dorme-
Juntas,percorremos carrosséis e coloridos cavalinhos
Ah ,eu te quero novamente entre as costelas,
Guardar teus gritos com meu sangue.

Minha filha dorme e já tem forma
fome e sonho:

Recolho o ventre
e acordo.



ANTONIÊTA COELHO
RECIFE,1983
Bela e adormecida
(para minha filha)


Gosto de vê-la assim
Quieta ,serena, sem nenhuma preocupação
Entregue ao sono ao sonho
E ao príncipe
Será esse o príncipe dos sonhos passados?
Será esta a pessoa abençoada para lhe fazer mulher?
Para lhe fazer feliz?
Após um passeio nas nuvens,dormem
E pedacinhos de estrelas douram,prateiam
A face dos anjos
Eles são puros,lindos,reais
Mas não são meus
São deles próprios
São de DEUS.



ANTONIÊTA COELHO
RECIFE,04 DE ABRIL DE 2004
Uma ponte vermelha



Todo dia ela vem
banhada em suor do meio dia
deixando seu rastro molhado
com o mesmo sapato preto
usado noite e dia
Na hora da travessia
Sempre o mesmo pensamento:
“meu deus e se esta ponte cair?”
É bonita e tem cabelos grisalhos
Gorda de perna fina e uma pele abençoada
Houve um tempo em que chorava sem parar
todos os dias
tem uma filha única de pernas grossas e brancas
linda,por quem é apaixonada
por isso ás vezes anda apressada
para chegar primeiro
muito apresada para abraçá-la e alimentá-la
certo dia tudo tudo mudou
apesar da ponte vermelha e cotidiana
a menina virou mulher
totalmente igual feito Xerox
foi difícil encontrar a sua identidade
e aceitar a troca da boneca pelo namorado.


ANTONIÊTA COELHO
12 DE MARÇO DE 2005
Elegia a Maria Adélia
(Minha bisavó)



Lembro-me do jardim em cor,
Da fumaça das caldeiras:
Remanescente do suor primeiro
A semear, pelos campos da infância.

Ah , meu casarão ensolarado
Cheirando a naftalina e eucalipto!
Todas as manhãs,
O leite denso
Confortava o pequeno estômago.

Tu vinhas
Leve leve
E tão mansa.

Ao colher dos frutos,
Do teu sorriso, prolongava o infinito ritmo,
E a noite, junto ao crucificado,
Ajoelhada segurava-me ao peito.

E sempre em tua fala
O gesto farto do amor, as longas saias
Bendita sejas
Por todas as estórias:
Um dia fui feliz.



Antonieta coelho 1981
Recital



Vagas ressonam descompassadas
Onde,rápidos cabelos em desalinho
Emolduram inesperada chuva.

Ramificada ao canto (sou lembrança?)
De velhos castiçais,
Surpreendida
Entre céu e nuvem
Hoje, canto?

Respingos do verso último
Fecundam pedaços do caminho:
Repentina essa marcha agora
De crianças loucas.

Mas, esqueço do sol, sou mar,
Sou vento
-espaço-
E, livre recolho salmos:
Onde desamparada
Deixo-me ficar.



Antonieta coelho 1981
Topografia do silêncio




O vento que passa é sussurro
Nesta hora incerta, onde a fala
Transporta estrelas ao mar.

Mas eis que mergulho
(e te dou o fruto!)

Estranha essa paisagem sem lagos,
Apenas um par de seios furtivos
(á espreita), acompanham
A tua mão de gelo.

Foi de repente essa solidão,
E, lembro-me do choro de perdidas crianças
Em desenho rápido, uma cantiga de ninar.

Onde o corpo?onde o peito?
Onde as mãos do verso e os olhos de antigamente?
Procuro coisas: e somente quadros conhecidos á parede,
Bonecas argentinas, alguns discos empenados e um sofá.
Mas a fala morta me faz lembrar
Dos perdidos beijos
Nos perdidos sinais.

É preciso que algo de novo aconteça,
E rasgo os tijolos, e das unhas vem o sangue
Quente quente
Numa mistura de cimento e de silêncio:
Dos olhos, uma tempestade
Lava para sempre
O que restou da solidão.


Antonieta coelho
1981
Canto soterrado



Entre escombros,
Ao derredor,
A imagem retorcida
Em reencarnado pranto.

Esse desamparo, agora
De bancos em jardins ensolarados,
Essa dor de pássaros devorados,
Entre nuvens e estrelas,
Encadernadas
Em perdidas solidões.

Essa tortura
De lençóis brancos,
Brincadeira louca:
Ah, essa vazante agora
de soluços.

Entre escombros,
Misteriosa ausência
Revestida de sono
Em noite de presença desesperada.


Antonieta coelho
1980
Inverno



Retorno
Ao velho porto
O mesmo barco
Repleto
De antigas tempestades
Corredores estranhos
Por onde ando
Tentando recriar
Conhecida ausência.

Ventre de sonhos
Maduro
A cobrar
Perdidas ondas
E os destroços
Do velho mar.


Antonieta coelho
1979
O cansaço



Carrego-me de nuvens
Ao superar o sono da carne exausta.

Vem o repouso
Após a luta.
Falamos falamos:
Cópias de mãos cansadas
Abertas em silêncio.

É o canto da ausência
Curtido
Em madeira esal.

São gritos e pêlos
Asas e cargas

Remendadas pelo tempo.

Eu sou lago delirante
(e tuas órbitas são fogos de artifício)
A extinguir-se:
Nossos ossos permanecem
Em cremadas estranhas.



Antonieta coelho
1979
Matinê



Emudeces
E o suor
Em tuas linhas
Desenha
Frases e frases.
Teus mares
Me acalentam
E
Mergulho
em floresta de concreto.
Mantenho-me quieta
E
Espero
O milagre.


A moça e o beija-flor



Era de carne quase branca
A cama do pássaro
E o bico alongado
Mais parecia
A vela (de sete dias)
Em tempo de festa.

Ele veio se chegando ,quase um sonho,
E os seios se abriram
No vôo:
Entre o cloro
e o fim do dia.

Nunca vou esquecer
Dos seios da moça
Abrigando o beija-flor.

Foi rápido esse sonho
E de tão real:
Fui eu ou o fim da tarde,
Quem guardou a moça
(Quase nua
Que nunca mais voltou?)

Hoje procuro nos pássaros
Dois seios brancos
Acolhidos na solidão.



Antonieta coelho
1981
Mormaço




Como um sábado chuvoso e sem vozes,
Lentamente, percorro o espaço deste canto
A rever humanidades passeando
Ao derredor de mim mesma.

Grito desesperadamente,
E a procissão prossegue.

Revestida de sol,

Recolho a poeira

Dos ossos:
Essa dor sem nome.

Sou pássaro, sou nuvem,
E jogo á rua
O espaço
Por sobre os fragmentos
Da chuva que retorna
Feito fogo.




Antonieta coelho
1980
Sonho cortado




Ontem:
Criança
sonho cortado.
Hoje:
O passado
o perfume
a cor.
Veio a criança jovem:
O cheiro maduro e rude.
Muitos passaram
Todos passaram:
Osso e alma.
Ficou o poeta
Carregando juventude
O fruto maduro.
Embalei
Em meus braços:
A quentura
No caos
da carne.
Muitos passaram
E,
No meu desmaio:
As cicatrizes
em poeira
no meu chão.



Antonieta coelho 1971
Insônia



No espaço
Um nome
Nu
Quase esquecido.
No espaço
Corri
Em busca
Do jamais encontrado.
No espaço
sobre o mar
Em carne
Quisera ter possuído
Teu desejo insone.

No espaço
Palavras apodrecidas
Esqueletos em sonho
(teus lábios em cio
Povoaram minha noite).
No espaço
Distante
Sorvi tuas ondas
Todos os sargaços
Na areia nua
(renascido e esquecido
Tu estavas).
No espaço
Acordei
Sofri.



Antonieta coelho
Recife,1978
Neblina



Chega mulher
Sem voz
A falar.
Chega mulher
sem paz,
A olhar
Sem par
Gosto de mar.

Chega mulher
Sem pouso
A sorrir
Sem gozo
Um pôster
Sem posse.

Chega mulher
De fuga
Em luta
De luva
Em tempo
de chuva.
Chega mulher
de ontem
em lance
de ponte,
em beijo
de sorte.



Antonieta coelho
Recife,1971
Raio estagnado




E veio a chuva
Abrindo caminho
Cheirando a passado.

E veio a chuva
Nuvens em núpcias:
Penetrando a terra.

E veio a chuva
Em pontes
sobre muros.

E veio a chuva
Em caminhos sonolentos de estradas.

E veio a chuva
Em linhas reta:
A terra violada.

E veio a chuva
Em quentura de canto
Em vertigem de pranto:
(e, semeou ,por teus olhos).


Antoniêta coelho
Recife,1972


O funeral do mar

No mar em frente

Rápido, o marisco antecipa

O gozo estranho das ondas,

Acalentando a mansidão

Da areia adormecida.

Por sobre ansiosas vagas,

Pedaços do sonho

(Nunca acontecido)

Explodem:

Água e chão.

Mãos de argila vagueiam

Despedaçadas a procura da carne

Violentada ao vento.

Do barco náufrago,

A madeira ressuscitada

É prece colorida em fogo

Á espera do tempo.

Aos poucos, uma estrela dança

E, sôfrega, percorre os nervos

A plastificar em terra

O sangue do teu silêncio.

Antonieta coelho

Recife,1981